Samuel Solano: das velas reais ao domínio virtual

Escrito em 29/11/2024
vitor.afonso


Confira a entrevista completa com o brasileiro finalista mundial de eSailing

Primeiro representante das Américas na Grande Final do eSailling World World Championship 2024, a trajetória de Samuel Solano, 32 anos, é um exemplo de como a paixão pela vela pode transformar vidas e ultrapassar fronteiras. Conhecido como Harder no mundo virtual e criado em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, ele descobriu o esporte aos 13 anos, ao ser sorteado para participar do Projeto Ventos & Velas, um curso oferecido na escola onde estudava. Apesar de hesitar em participar da apresentação do projeto – afinal, estava em casa assistindo à Malhação –, sua mãe insistiu para que fosse. Mal sabia ele que aquele sorteio mudaria completamente o rumo da sua vida. "Fui picado pelo mosquito da vela e nunca mais parei", relembra.

Samuel começou a competir em regatas aos 14 anos, inicialmente em um barco Holder, e logo se destacou em campeonatos locais e nacionais, alcançando um terceiro lugar no Brasileiro Júnior de Byte C1 em 2008. Aos 16 anos, decidiu se dedicar aos estudos, mas acabou retornando para a modalidade como instrutor em Ilhabela por volta de 2011, passando a compartilhar seu conhecimento com novos atletas e jovens.

Com a chegada da pandemia em 2020, Samuel mergulhou no mundo da vela virtual através do Virtual Regatta, principal plataforma de eSailing e jogo oficial da World Sailing. O que começou como uma atividade casual logo revelou seu potencial: naquele mesmo ano, ele conquistou o terceiro lugar na Semana de Vela de Ilhabela. A partir de 2022, passou a se dedicar ao cenário competitivo, liderando o ranking global em 2023 e, na temporada seguinte, se classificando para a final presencial do Campeonato Mundial de eSailing em Estolcolmo, na Suécia. Entre 40 mil competidores, Samuel foi o único brasileiro a integrar a elite dos 12 melhores do mundo – um feito inédito para as Américas.

O atleta destaca que o eSailing não é apenas um jogo, mas uma extensão do esporte que ama. As competições virtuais simulam fielmente as regras das regatas reais, e o ambiente competitivo mantém a adrenalina das águas. "A vela virtual democratiza o acesso ao esporte, permitindo que pessoas sem acesso a barcos ou que não podem mais competir por questões físicas, por exemplo, possam viver a emoção da competição", afirma.

O futuro e os próximos ventos
Com novos desafios no horizonte, Samuel está determinado a manter seu nome entre os melhores. Ele planeja disputar novamente o Campeonato Mundial de eSailing em 2025 e já se prepara para o evento presencial organizado pelo Comitê Olímpico Internacional na Arábia Saudita, que será realizado com o suporte da World Sailing. "Será um evento incrível, com grande estrutura, e meu objetivo é representar o Brasil da melhor forma possível", comenta.

Sobre o futuro da vela virtual no Brasil, o velejador é otimista. Ele acredita que o esporte, que já é popular na Europa e no Japão, tem enorme potencial de crescimento no país. "O Brasil é uma potência na vela real e tem tudo para se destacar também no cenário virtual. A vela virtual aproxima mais pessoas do esporte e já começa a ganhar espaço com eventos vinculados a competições tradicionais, como o Mundial, SailGP e a America's Cup", analisa.

Treinando diariamente para manter seu ritmo competitivo, Samuel segue determinado a inspirar novos jogadores e consolidar o Brasil como uma referência global no eSailing – mostrando que, seja nas águas ou nos pixels, há sempre novos ventos a conquistar.

Confira abaixo a entrevista completa



Como começou a sua relação com a vela?

Comecei a velejar em São Sebastião, cidade vizinha de Ilhabela, entre 12 e 13 anos, em um projeto social. Eu não conhecia nada de vela. O Projeto Ventos & Velas foi na minha escola, sorteou duas vagas por sala para aprender a velejar e eu fui um desses sorteados.

Me convidaram para o primeiro dia, que tinha que levar o pai ou a mãe para uma apresentação do projeto e como ele seria, pois era por tempo determinado. Nesse dia eu nem queria ir. Eu estava assistindo Malhação, em casa, mas minha mãe insistiu para eu ir. Eu fui e acabei picado pelo mosquito da vela, algo que mudou totalmente o meu ambiente de vida e círculo social.

Comecei a correr regatas quando eu tinha 14 anos e fui até os 16, quando decidi focar nos meus estudos. Comecei em um barco Holder, e fiquei muito tempo correndo regatas locais e Semanas de Vela de Ilhabela. Depois eu fui para a classe Byte C1, onde corri alguns campeonatos nacionais. Meu melhor resultado foi terceiro em um Brasileiro Júnior em 2008 e terceiro lugar geral no Brasileiro que ocorreu em 2011. E naquele ano também surgiu a possibilidade de trabalhar em Ilhabela. Foi bem legal porque eu voltei a este ambiente como instrutor. Então eu vivo a vela desde bem novo, seja velejando, ensinando e já há alguns anos na vela virtual.

Como foi o começo na vela virtual?

Comecei com o jogo Virtual Skipper e iniciei no Virtual Regatta em 2020. Teve uma semana de vela de Ilhabela que organizaram apenas o Virtual, pois não teve o presencial pela pandemia. Mesmo sem muita expectativa eu consegui o terceiro lugar. Em 2020 e 2021 eu ainda jogava muito casualmente, nada muito sério. Mas em 2022 eu iniciei no competitivo, que é bem diferente do casual, porque você só quer a vitória e luta para se classificar para grandes eventos.

Como foi competir com o jogo Virtual Regatta no Mundial?

O legal deste Mundial é que é o evento de eSailing oficial da World Sailing. Ela apoia o mundo do eSailing, da Vela Virtual, através do Virtual Regatta. E este apoio se deve ao fato de ser um jogo muito democrático, onde é possível jogar com celular que não seja muito avançado, computador ou tablet. É um  jogo crossplay, então todo mundo joga com as mesmas condições. Jogo muito leve e globalmente acessível.

Como é o formato de disputa do Mundial?

A seleção dos finalistas é feita através de algumas etapas ao longo do ano. Em 2022 foram quase 20 etapas. Depois, em 2023, eles mudaram um pouco o formato, reduziram as etapas para 12 ou 13. Em 2023 eu estava tão pilhado que liderei o ranking global na soma de todas as etapas.

Já em 2024 eles reduziram ainda mais a quantidade de etapas, para deixar cada etapa mais especial, e aumentaram o número total de jogadores na semifinal. Por isso, neste ano estava um pouco mais difícil de se classificar para a final. Ao todo, avançaram 80 jogadores para a semifinal, que eram divididos em duas chaves (lado A e B).

O jogador podia escolher o lado até preencher totalmente aquela coluna. Eu resolvi jogar no lado B, mas mesmo assim estava bem distribuído e difícil. Eram os 80 melhores dentro de 40 mil jogadores que participaram das etapas ao longo do ano.

Cada semifinal começava com 40 jogadores de cada lado e se classificavam apenas 6 – 12 ao todo. Foram 7 regatas e eu terminei em quarto do meu lado da chave. É unânime entre a organização e patrocinadores que essa edição colocou os melhores dos melhores e foi a melhor final.

Como você analisa o seu desempenho na Grande Final?

Na final eu acho que poderia ter ido um pouco melhor. Sempre tem o lado do nervosismo, mas além disso, em algumas situações eu me coloquei um pouco em risco, então poderia ter sido mais conservador.

Um problema também era a diferença no tempo de resposta. Aqui no Brasil temos um tempo de 230 ou 240 milissegundos. Ou seja, tudo que eu faço tem um delay um pouco maior para acontecer. Lá na Suécia esse delay era menor, então tudo que eu fazia era mais instantâneo. Eu queimei 3 ou 4 largadas, algo que talvez não aconteceria aqui no Brasil. Aqui eu tenho que fazer o movimento mais cedo, mas lá não, era mais instantâneo.

Mas eu não coloco culpa nisso porque eu poderia ter dedicado tempo maior para essa situação. Não tinha dimensão de que isso poderia comprometer o desempenho dessa forma.

Você acha que a vela virtual tem pontos em comum com a vela real? Como é essa relação, é possível comparar?

A vela virtual simula muito bem as regras de regata real. Boa parte do meu conhecimento de regras vem da vela virtual, porque eu consigo visualizar as situações. E no jogo Virtual Regatta as regras funcionam muito bem. Isso ajuda a usar a vela virtual para a vela real.

Também tem a parte de noção tática, a questão de você ser mais competitivo. Conheço muitas pessoas que, por motivos físicos, tiveram que sair da vela real, mas foram para a virtual, que é chance de ter o gostinho de continuar nesse mundo competitivo.

Como são os seus treinamentos atualmente?

Para chegar no meu nível eu dediquei longas horas por semana. Hoje eu dedico um pouquinho menos, mas eu continuo jogando diariamente, para manter o ritmo. Essa é a rotina basicamente.

O jogo é legal porque tem diversos barcos, como J70, Star. Então se eu estou mal em um barco, eu dedico mais tempo a este barco.

Além disso, participo também dos eventos organizados pelos próprios jogadores. Alguns são de alto nível e aí você consegue se manter em um nível competitivo e até se medir diante deles.

Quais são os seus próximos planos?

Ano que vem tem novamente o Mundial. Ainda não saiu o Aviso de Regata (AR), mas acredito que não seja tão diferente desse ano. Vai ser um evento bem bacana e eu vou tentar chegar nessa Grande Final de novo. Esse ano foram 40 mil jogadores e só 12 se classificaram para a final, então não é fácil. Fui o primeiro das Américas a quebrar a hegemonia dos Europeus. Nos últimos anos entraram alguns japoneses e agora chegou um brasileiro nesta disputa.

Além diss, no ano que vem também vai ter, na Arábia Saudita, o evento do Comitê Olímpico Internacional (COI). Evento será presencial e sabemos que terá uma grande estrutura. E o jogo será o Virtual Regatta, porque é o jogo ligado a World Sailing, que por sua vez é ligada ao COI. Mas ainda não temos o formato de disputa e classificação para a vela.

Mas então você pretende continuar competindo?

Pretendo continuar competindo enquanto eu conseguir me classificar. No Brasil tem ótimos nomes. O Zé Godinha é bem melhor que eu, por exemplo. Ele é muito bom, mais novo e vem uma nova geração mais rápida nos dedos, então é difícil. Mas vamos para a disputa. 

Como você analisa o futuro da vela virtual no Brasil?

O hype da vela virtual já é bem grande na Europa e no Japão. O número de jogadores tem aumentado exponencialmente. Sabemos que a vela é um esporte mais elitizado, com custo alto, então a vela virtual acaba popularizando esse acesso. Tem eventos grandes, como SailGP, que até 2023 estava tendo evento virtual. Agora o America’s Cup também tem o seu evento virtual, e tem o próprio Mundial.

A vela virtual veio para somar demais aos eventos reais, então dificilmente não vão acontecer eventos grandes aqui no Brasil relacionados a vela virtual. O Brasil é uma potência e tenho certeza que essa modalidade pode estar lado a lado com esses eventos.